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Semear e Colher: conheça algumas experiência de hortas urbanas no nordeste brasileiro

Bombas de sementes com argila para lançar em terrenos baldios, produção de estufas com materiais de plásticos de reciclagem, improvisação de vasos com garrafas pet, verticlarização para maior aproveitamento do espaço. Essas e outras invenções fazem parte da volumosa lista de estratégias utilizadas para criação das hortas urbanas.

Durante a Segunda Guerra Mundial os cidadãos da Grã-Bretanha receberam pelo rádio o apelo governamental para que começassem a plantar nas cidades. A campanha que ficou conhecida como “Dig for Vitory” [1] (“cavar ou plantar para a vitória”) tinha como objetivo incentivar a população a se iniciar na tarefa da produção de seu próprio alimento em quintais, parques, terrenos baldios e escolas, a fim de superar mais uma das dificuldades impostas pela guerra: a escassez de alimentos, principalmente nos grandes centros.

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Um jingle da campanha dizia “De regresso à terra. / Todos temos que dar uma mão / Para as quintas e campos iremos. / Há trabalho para fazer, / Se não podemos pegar numa arma, / podemos contribuir com a enxada./ (…) Podem ajudar com a guerra / se vierem conosco – de volta à terra.”

O movimento punk e anarquista [2], pautado em seus princípios de busca da autonomia e da autogestão também fez muitas pessoas dos grandes centros urbanos entrarem em contato com hortas comunitárias através da produção de alimentos nos espaços de ocupações, onde buscam reinventar outro modo de viver.

Moradores de áreas urbanas que estão interessadas em consumir alimentos mais saudáveis, cada vez mais têm se interessado por aprender a cultivar alimentos em espaços pequenos, até mesmo em sacadas de apartamentos.

O fato é que da pequena horta de ervas da vovó para a estruturação dos incríveis telhados verdes [3], reunindo o que há de elaborado em matéria de arquitetura sustentável, percebemos a o encontro entre o que há de mais sofisticado nos saberes tradicionais acumulados por séculos de contato do homem com as plantas com o que há de mais moderno na ciência em busca da superação da insegurança alimentar.

A inquietação e necessidades cada vez mais latentes por parte das pessoas que vivem nos grandes centros em torno da possibilidade de criarem e gerir coletivamente ou individualmente hortas urbanas passa por diversas questões.

Alguns desejam ter acesso à produtos mais saudáveis, orgânicos, nem sempre fáceis de sem encontrados e quase sempre muito caros. Outros simplesmente têm interesse na atividade do cultivo, na possibilidade de ter contato com a terra e ver de perto seu processo criador.  Muitos, no entanto, ainda são levados à agricultura urbana pela possibilidade de esta se tornar o meio pelo qual podem melhorar a qualidade de sua alimentação a revelia da situação de vulnerabilidade social em que se encontram, como nos explica Marina Castelo Branco e Flávia de Alcântara, ambas técnicas da EMBRAPA quando publicaram, em 2011, o artigo “Hortas urbanas e periurbanas: o que nos diz a literatura brasileira”:

“O cultivo de hortaliças nas áreas urbanas e periurbanas, com ou sem o apoio governamental, tomou impulso a partir de 1980 na América Latina, África e Ásia como uma estratégia de sobrevivência das populações mais pobres atingidas pela crise econômica que se instalou nessas regiões. No Brasil, hortas urbanas e periurbanas começaram a ter grande ênfase nessa época com apoio dos governos municipais e instituições locais”, explicam.

Elas seguem e deixam bem claro o caráter de política assistencial e busca de superação da pobreza latente no aparecimento das hortas urbanas como objeto de incentivo governamental no país: “a partir do início deste século, o apoio a hortas urbanas e periurbanas no Brasil passou a fazer parte da política nacional de redução da pobreza e garantia de segurança alimentar. Algumas dessas hortas foram financiadas com recursos federais e estavam incluídas no Programa Nacional de Agricultura Urbana. Dados do Governo Federal de outubro de 2008 indicavam que esse Programa financiou, além de hortas comunitárias em todas as regiões brasileiras, atividades como apicultura, avicultura e lavouras comunitárias.”

Sabendo da necessidade em se intensificar a produção de alimentos no Brasil de forma sustentável, valorizando a produção familiar e em esquemas cooperativistas, a Rede Solivida, por meio do projeto Semear e Colher realizou nos últimos 2 anos diversas experiências de com resultados muito exitosos que se somam à extensa teia de outras hortas implantadas pelo país que têm mudado a vida de muitos cidadãos brasileiros habitantes das zonas urbanas.

Mudança de hábitos alimentares aliada a respostas novas para velhos problemas urbanos

A Comunidade dos Pequenos Profetas (CPP), organização não-governamental, que atende crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, atua em Recife há mais de 30 anos.  Coordenada pelo gastrônomo pernambucano Demetrius Demetrio, a CPP tinha como meta, no âmbito do Projeto Semear e Colher, atender 50 famílias com cursos de horticultura através da implantação de hortas verticais utilizando garrafas pet, com cada horta medindo 8 metros.

A equipe da CPP afirma que teve dificuldades no início do projeto, uma vez que as casas não possuíam espaço suficiente para o cultivo. Construídas nas comunidades Coque, Joana Bezerra e Vila Sul, muitas eram de madeira e sem saneamento básico. Demetrius teve então uma ideia: utilizar o telhado da sede da CPP.

Essa alternativa não resolveria o problema da precariedade das habitações das famílias atendidas pelo Projeto Semear e Colher, algo que necessita de um esforço conjunto de diversas esferas para se solucionar, mas a estratégia de implantar uma horta no telhado da sede da instituição resolveria um outro grande problema que há algum tempo vinha demandando uma solução, e uma solução inovadora: os recorrentes assaltos à sede da CPP, os quais redundavam em grandes prejuízos, com perda de equipamentos, além da sensação de insegurança.

Desde a inauguração oficial, em novembro de 2016, o primeiro telhado eco produtivo de Recife tem servido de espaço de formação, para o público em geral. Através de visitas guiadas as pessoas conhecem um pouco do trabalho desenvolvido pela CPP, têm aula de educação ambiental e técnicas básicas de plantio e cultivo.

A horta abastece a cozinha da CPP, que realiza cursos de gastronomia para as famílias a fim de garantir a segurança nutricional do público assistido. Os resultados positivos podem ser conhecidos por meios de depoimentos como o de Paula Ferreira: “A horta mudou totalmente a alimentação das minhas filhas e minha, é muito bom você colher e plantar, se você não tiver quintal você pode colocar na parede da sua casa mesmo, do terraço, na parede de um vizinho, foi com isso que mudou totalmente a alimentação da minha filha, com dois anos, infelizmente, pesando 20kg, e tendo crise de asma constante, chegando a ter a pressão alta, eu era vitima de comer besteira, porcaria, e você pode se alimentar bem gastando pouco, só é saber plantar”

Economia e melhoria da qualidade de vida: duas coisas que parecem impossíveis na cidade são conquistadas com as hortas

A Casa Menina Mulher, fundada em 27 de Janeiro de 1994, outra organização situada em Recife, também implantou diversas hortas orgânicas. O Projeto Semear e Colher por meio dessa entidade alcançou diversas famílias e coordenação afirma que o público que experimentou o projeto passou a valorizar mais a inclusão em seu cardápio diário de legumes e hortaliças livre de agrotóxicos, bem como o uso de ervas medicinais com maior frequência. Outras pessoas começaram a produzir mudas para presentear amigos/as, fortalecendo assim as relações de solidariedade, humanização e a troca de saberes.

 Fortalecimento dos vínculos comunitários e transformação da paisagem urbana

Estamos acostumados nas cidades a ver o descarte irregular do lixo. Aterros são construídos sem nenhuma observância de regulamentações, entulhos são reunidos em terrenos baldios que muitas vezes não são murados. Perto áreas residência espaços assim, mal iluminados com vegetação crescendo sem nenhum cuidado se transformam em áreas hostis. Foi num espaço assim que o Projeto Nosso Lar começou a construir uma linda horta.

A primeira horta urbana do Ceará possui 7.500m² e está localizada no município de Juazeiro do Norte, campo de atuação do Projeto Nosso Lar. A ideia no início contou com resistência da vizinhança. Aos poucos a iniciativa foi conquistando os moradores do bairro e mesmo quem antes não apoiava o projeto, agora compra alimentos fresquinhos na horta.

A horta é gerida por 40 famílias que moram nos bairros adjacentes e que por meio do projeto conseguem complementar a renda familiar. Os produtos da horta são vendidos a um preço acessível, democratizando o acesso à produtos orgânicos.

[1] Há um vídeo no YouTube muito interessante com imagens desse período https://www.youtube.com/watch?v=H_Gs7Vik75k

[2] Integrantes da Casa Largatixa Preta, situada na região do grande ABC paulista, comentam no documentário de 10 anos do espaço vídeo a descoberta da permacultura para eles e como gerida a horta que construíram no quintal da casa https://www.youtube.com/watch?v=zXHYATEdTKo

[3] Está acontecendo no ambiente online promovido pelo Instituto Cidade Jardim ¹ª Semana de Telhados Verdes que você pode se inscrever por meio do site http://telhadoverdetransforma.com.br/cadastro

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