O ano de 2021 chegou e com ele não trouxe a “normalidade” tão esperada, ainda não é possível despreocupados abraços e apertos de mãos. Não trouxe a paz tão almejada. A pandemia da Covid-19 continua a nos impor uma nova realidade e uma série de mudanças comportamentais na vida de todos nós que vão perdurar ainda por um tempo indeterminado. De maneira inevitável, inúmeras estruturas e convenções sociais, econômicas, culturais e de outras ordens precisaram se readaptar a essas mudanças impostas pelo surgimento do novo coronavírus. Dessa forma, a realidade que conhecíamos antes do início da pandemia em 2020, faz parte de um passado recente, contudo, sem qualquer possibilidade de retorno. Nossos olhares e atenção precisam se voltar para o que é possível vivenciarmos hoje, em um presente permeado de angústias, medo, insegurança, ansiedade e perspectivas e expectativas de futuro; de um futuro que se mostra absolutamente imprevisível.
Com essa necessidade de adaptação e por um instinto de sobrevivência, o que antes nos era comum e corriqueiro, está dando lugar a novas práticas. Ações simples que realizamos há 1 ano, já não fazemos mais. Objetos antes compartilhados em grupos de amigos, já não são mais possíveis. A pandemia ocasionou um novo contexto de realidade, algumas palavras ganharam novos conceitos. O vírus nos trouxe uma necessidade de reeducação social, precisamos nos manter atentos e vigilantes com relação à nossa higiene e do outro, aos nossos comportamentos e comportamentos do outro.
Nesses novos tempos, uma expressão vem ganhando espaço nos meios de comunicação e na sociedade, o termo “novo normal” já faz parte do vocabulário das pessoas, embora tenha sido mencionado pela primeira vez em 2009, por Mohamed Aly El-Erian, empresário egípcio-americano quando se referiu às rupturas estruturais causadas pela recessão econômica daquela década, mas nos tempos atuais, se aplica ao contexto da Covid-19.
É em meio a esse turbilhão de novos aprendizados e cercados de angústias e incertezas, que não difere de toda a humanidade, que a Rede Solivida buscou se reinventar, adaptando suas ações para as possibilidades apresentadas diante dos obstáculos do distanciamento social. Com a suspensão das atividades regulares das 33 instituições que compõem a Rede muitas dúvidas sobre como acolher a comunidade começaram a pairar junto às organizações, como as medidas básicas de higienização poderiam ser alcançadas pelas famílias mais humildes? Como estariam os pais que permaneceram no trabalho, mas não tinham com quem deixar suas crianças? Como estariam aquelas crianças que dependiam das refeições fornecidas pelas instituições, que encontravam afeto nas instituições, que tinham o lazer no espaço das instituições.
A pandemia enfatizou a relevância do trabalho desenvolvido pelas ONGs no combate ao mais básico dos direitos que é a alimentação. As doações de mantimentos e de itens de primeira necessidade trouxeram para o centro da problemática da pandemia no Brasil uma constatação, prato cheio ainda é um importante fator de determinação quem irá viver ou morrer no país. Com isso, já em abril de 2020, a Rede Solivida em conjunto com diversos parceiros internacionais, pensaram e idealizaram a campanha “Quem tem fome não pode esperar”, durante todo o ano, do Norte ao Nordeste, passando pela Baixada Fluminense do Rio de Janeiro. No total foram 11.863 famílias atendidas pelas organizações e muitas outras no entorno das instituições foram atendidas e acompanhadas por meio desse trabalho que possibilitou a doação de 540 toneladas de alimentos e produtos de limpeza.
O distanciamento físico resultou numa incessante interação digital e isso propiciou a realização de 32 lives, foram diálogos sobre direitos humanos, juventude, politica, democracia, proteção infantil, racismo, dentre elas, um sarau que resultou num belo encontro entre cultura, poesia e discussão social.
Com o entendimento da importância dos seus trabalhos em suas comunidades, muitas instituições se reformularam, como o Centro de Direitos Humanos, de Nova Iguaçu-RJ, que com o lançamento do auxílio emergencial pelo governo federal, remanejou o atendimento presencial do departamento jurídico para ações por telefone e whatsapp, ao perceber as dificuldades de muitas famílias carentes no processo de inscrição e entendimento da forma de utilização desse recurso numa poupança digital.
Em Campo Formoso e Simões Filho, as instituições que tem a cultura como um forte braço no seu fazer social, realizaram live musical para arrecadação de cestas básicas que beneficiou comunidades carentes de município e a segunda para não perder o vínculo com seus alunos do teatro colocaram em pratica as possibilidades dos meios digitais, que originou a primeira websérie da Companhia Caras do Brasil. A “Na Comunidade” retratou a história de uma comunidade de Simões Filho lidando com as dúvidas, inquietudes e novidades da vida com o avanço do coronavírus, com uma abordagem realista e educativa do seu cotidiano, toda a filmagem foi feita pelos celulares dos jovens atores e foi disponibilizada para o público no Youtube.
Percebemos que ainda estamos navegando em turbulência, infelizmente, neste momento o Brasil se encontra no epicentro de uma nova onda da pandemia com variantes ainda sendo descobertas. É possível que o “normal”, que antes conhecíamos jamais retorne, mas é preciso questionarmos a qual normal a mídia ou até mesmo nós estamos nos referindo. Alguns brasileiros nunca tiveram a oportunidade de experimentar a normalidade de um teto sobre suas cabeças, das três recomendadas refeições, da água encanada e saneamento básico, da tranquilidade de criar seus filhos sem o assombro das balas perdidas.
Sim, é possível que aquele Brasil cantado nas músicas ainda exista, mas, e os brasileiros? Como nossa população poderá se reerguer para o novo, muitas vezes nem tão novo assim, essa é a resposta que só o futuro irá nos trazer e será logo mais.
Texto : Hercília, Daniele e Edmara