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Arte e experimentação de outras possibilidades de existência

Conheça os modos pelos quais organizações do nordeste têm provocando outros modos de vida apostando, sobretudo, no trabalho da dimensão sensível

Com  alcances imensuráveis e proliferação de linguagens, a arte constitui-se um campo de exercício da criatividade humana que parece não ter limites. Essa talvez seja uma das razões pelas quais sua definição pareça estar sempre escapando por entre os dedos.

Para muito além de um uso utilitário da arte, concebendo-a como antídoto preciso para males que se estendem por todo o tecido social, a experimentação artística segue sendo uma das maneiras pelas quais organizações que compõem a Rede Solivida buscam potencializar a vida e as formas de ser comunidade onde atuam.

Conheça algumas das experiências onde, no ponto de articulação entre arte e vida, organizações da Rede Solivida lançam mão de práticas para potencializar o autoconhecimento, a recuperação do espaço do corpo e a valorização de identidades culturais.

Arte e inclusão social

No interior do Ceará, mais precisamente na região do Cariri, as ONGs Projeto Verde Vida, ONG Nosso Lar e Projeto Nova Vida, desenvolvem em seus espaços atividades artísticas com as crianças, jovens e adolescentes, que vem trazendo bons resultados no desenvolvimento psicossocial e nas relações interpessoais dessas crianças e jovens.

Verde Vida

Diversas atividades são propostas dentro do segmento das artes que contemplam a música, teatro, dança, audiovisual e artes plásticas e pode se perceber a cada encontro o interesse bem como o desenvolvimento das habilidades individuais e dos trabalhos em grupo. Essas ações são pontes para o fortalecimento e valorização da identidade cultural e a formação do ser para o enfrentamento das adversidades impostos pela luta diária da sobrevivência que para esse público é bem mais árdua por se tratar de pessoas que sofrem exclusão e muitas delas vivem à margem da sociedade.

Na maioria das vezes é através das ações artísticas que os trabalhos desenvolvidos por essas instituições ganham visibilidade e credibilidade e é com o fazer artístico que se consegue alcançar alguns dos objetivos de inclusão e de valorização e respeito pelo ser humano.

O Projeto Verde Vida, do Distrito de Ponta da Serra em Crato,  interior do Ceará, hoje é Ponto de Cultura, contemplado em edital do governo do estado do Ceará pelas ações desenvolvidas na área das artes, ganhador também do Criança Esperança da Rede Globo de Televisão com destaque nas ações artístico-culturais que desenvolvem e que levam benefícios que impactam pessoas e suas comunidades.

V. Vida

A ONG Nosso Lar, sediada em Juazeiro do Norte, mantém entre outras atividades oficinas de música, artesanato e Teatro e desenvolve a 4 anos uma Mostra de Artes que vem crescendo e revelando habilidades notáveis e favorecendo a melhora da auto estima das crianças, jovens e adolescentes atendidos na instituição. Por acreditar no poder transformador e no alcance que as manifestações artísticas possuem, os responsáveis pela ONG buscam sensibilizar a sociedade para temas de relevância social, a exemplo do espetáculo teatral “INCLUSÃO SOCIAL” da CIA de Teatro Nosso Lar que já se apresentou em diversos locais, tendo já realizado turnê de 35 dias Alemanha onde  fizeram 51 apresentações desse espetáculo e também da peça teatral “Retirantes”, os textos são uma criação coletiva do grupo e são criados a partir de discussões dos temas propostos sob orientação de um profissional da área e da coordenação da instituição.

mostra de artes Nosso Lar

O Projeto Nova Vida também na cidade de Crato, tem sede na Comunidade do Gesso, local estigmatizado por questões de violência e droga. O Projeto Nova Vida desenvolve ações socioculturais com as crianças e jovens tanto da comunidade quanto com as do entorno do local, vê nas artes a descoberta de possibilidades de inclusão, melhora da autoestima e fortalecimento dos valores de cidadania.

Nova Vida artes

Ao longo de sua existência, a instituição testemunhou a superação e vitória de muitas crianças que fizeram parte da caminhada da ONG e que realmente conseguiram uma nova vida. “Ver essas histórias é saber que estamos no caminho certo e nos estimula a continuar”- é o que pensa Hermano José, diretor do Nova Vida.

Valorização da cultura local

A Associação Frei Gregório (AFG)  há 14 anos, vem encantando e se destacando no meio cultural, através da dança, teatro e do artesanato, na cidade de Cabedelo, no litoral Paraibano.

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“A cultura sempre foi uma missão da nossa instituição, educar através do meio cultural, os jovens precisam conhecer a sua raiz, por este motivo que desde nossa fundação, inserimos a dança, o teatro e a música, com diversos objetivos, mais o principal é despertar o talento que cada um tem dentro de si, com nossas oficinas”, disse Esthevão Viana, voluntário da organização.

Dentro da AFG existe o grupo de artes tia Glaube, nome dado em homenagem a fundadora da instituição, que faleceu em 2005. Esse grupo é composto por oito jovens que fazem parte da instituição e que participam das oficinas de teatro e dança, duas vezes na semana. Segundo a beneficiária K.B. (13), vários motivos fizeram ela participar do teatro, “ vários motivos me fizeram participar, mais o principal, foi o amor pelas artes, pois é essencial você levar uma mensagem através de uma peça, eu me emociono ver que o publico está sendo tocado, pelo nosso talento”.

A oficina de teatro é ministrada por voluntários da cidade, jovens atores e amantes das artes. “A oficina de teatro é desenvolvida com o objetivo de fazer com que os participantes se soltem e coloque suas habilidades artísticas para fora, pensando assim, cada aula é feita com atividades diferenciadas, tais como, exercícios corporais e vocais, além de construir esquetes, com o objetivo de profissionalizar e realizar apresentações fora da instituição”, disse a voluntária e atriz, Marília Fernandes.

O integrante do Grupo de Teatro, Gabriel Teles, aponta o potencial transformador da arte “o teatro está sendo muito importante na minha vida, pois foi através dele que mudei o meu jeito de ser, de ver as coisas, mudei minha educação e até o respeito pelo próximo, foi com o teatro que aprendi a conviver em grupo e saber ouvir o próximo, sim o teatro é transformador social”, destacou.

Além do Teatro, a AFG desenvolve a oficina de dança, também ministrada por dançarinas voluntárias, as bailarinas Joyce Stephane e Tamires Queiroz, muitos dos integrantes da oficina de dança, diz que o que despertou o desejo pela arte foi conhecer mais sobre os ritmos musicais.

“A dança é ritmo, vai além de pegar passos, de aprender a coreografia, é mudança, como a minha vida, eu não tinha alegria para sair de casa, depois de participar eu não queria mais perder uma aula, tive muitas oportunidades, como participar da turnê em Recife com o grupo de artes, então dança é vida”, disse com o sorriso no rosto, a beneficiária T.N.N (13).

Mas AFG vai além da dança e do teatro, a instituição transforma o lixo em luxo, mistura cores, alegria e transformação, é assim que a voluntária Mônica Viana desenvolve a oficina de artesanato na instituição: “desenvolvo com tranqüilidade, pois os jovens gostam das aulas e juntos realizamos lindos trabalhos, tenho uma relação de amizade e carinho e com isso a oficina se torna uma diversão”, afirmou a voluntária.

Muitas pessoas jogam qualquer coisa que ver pela frente no lixo, mais não imagina o valor que aquilo tem, como uma garrafa de bebidas alcoólicas, que podem ser transformadas em lindas garrafas decorativas, e com isso elimina o lixo e não polui o meio ambiente. “Minha Experiência é passar para as crianças a importância de reciclar, pois juntos podemos realizar trabalhos maravilhosos e estamos incentivando a preservação do nosso planeta. Onde eles catam objetos no lixo e transformam em obras de artes”. Afirmou Mônica, voluntária de artesanato.

Além da Associação Frei Gregório, outras instituições da Rede Solivida , desenvolve as artes com seus atendidos, como a Associação Cultural Arte e Vida de Alhandra/PB (ACVIDA) e a Associação Para a Promoção Humana Santo Antônio de Campina Grande/PB (PHSA), que trabalham com Teatro,Música e Artesanato.

A ACVIDA vem desenvolvendo um trabalho com 70 crianças e adolescentes, tudo começou com um sonho de realizar uma atividade de música, “ Primeiro veio o sonho de realizar uma ação usando a música, depois veio a oportunidade de implantar o curso de violino, como uma atividade que levaria as crianças e adolescentes a buscar interesse pela arte e cultura da música” afirmou a presidente da instituição, Iozilene Raposo.

A oficina de Violino é desenvolvida  01 dia na semana, essa atividade já fez com que a organização realizasse apresentações em diversos lugares da cidade, como igrejas, escolas, comunidades e em eventos. “ O nosso principal papel é resgatar a cultural, pois é um processo maravilhoso, porém não tem sido nada fácil”, concluiu Iozilene Raposo, presidente da ACVIDA.

Diversas mudanças puderam ser percebidas. Para atendidos a instituição ajudou no auto-estima, fazendo com que eles se tornem pessoas melhores: “minha auto-estima mudou muito, quantas vezes ficava no recanto das paredes pensando em besteiras e minha mãe dizia, menino vai procurar o que fazer, para ocupar essa mente, e hoje eu consigo sair de casa, ocupei minha mente e ainda sei tocar, dançar”, disse entusiasmado, Gleyton do Nascimento, beneficiário.

Além da música, a ACVIDA vem desenvolvendo, aulas de dança e artesanato, pois para a direção da instituição a arte é capaz de tirar as crianças da ociosidade em que vivem: “a comunidade é carente de atividades artísticas e acredito que essas atividades, como a de música são importantes para a transformação social e da vida das pessoas atendidas”, disse José do Egito, professor de Música.

Mudança nos modos de percepção

Que a Bahia é conhecido como celeiro de artista não é novidade para ninguém, por essas bandas reza um ditado que “baiano não nasce, estréia!”. E se a arte corre nas veias baianas, a transformação social através dela perpassa quase todas as instituições baianas que compõem a Rede Solivida.

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A Associação Cidade da Criança, nos seus mais de 30 anos já atendeu cerca 800 crianças, jovens e adultos com aulas de música e teatro, desde formação introdutória ao teatro a orquestra de sopro, banda baile e coral de vozes. Por crer na transformação social no município de Simões Filho, a instituição recebe jovens que buscam nas atividades artísticas da Cidade da Criança um espaço de auto valorização, de relações afetivas com seus semelhantes e que vem as aulas como um momento de autoafirmação e reconhecimento de seus potenciais.

Uma prova desse reconhecimento de potenciais internos são os quatro ex-alunos que hoje se tornaram auxiliares nas turmas de música e teatro, além dos 26 alunos que hoje também atuam como alunos-monitores. “Nós da Cidade da Criança, acreditamos no nobre papel de gente cuidando de gente, semeando o bem e multiplicando a ação dos inicialmente aprendizes, doravante protagonistas de suas histórias. E a arte é um importante pilar nessa transformação do sujeito”, declara Wellington Pereira, coordenador pedagógico da Cidade da Criança.

No município de Campo Formoso, com uma população estimada em 73.118 habitantes, segundo o IBGE de 2016, A Associação Cultural Raízes e Asas – ACRA já transformou com teatro, dança e música – através de uma fanfarra- a vida de mais de 1.500 pessoas, sendo as turmas no ano de 2017 composta por 150 alunos com idade entre 5 a 35 anos.

Turmas da Acra

Acreditando na arte enquanto um projeto social que possibilita ter esperança em dias melhores, a ACRA visualiza nos seus alunos um olhar para o mundo sob outra perspectiva, despertando crianças, jovens e adultos confiantes, empoderados e com uma base social que os possibilite ingressar em outras formas de ensino, que possam trabalhar, e mesmo que não atuem na área artística, consigam ser um cidadãos conscientes de si mesmos e do seu entorno.

Uma prova dessa transformação na comunidade são os 11 monitores que já foram alunos e hoje dão continuidade ao trabalho presidido por Robson França: “creio que a maior recompensa do nosso trabalho junto a Acra é perceber que nossas crianças, jovens e adolescentes estão entregues as aulas e oficinas, e que ao saírem das nossas dependências eles continuam praticando nossos ensinamentos em seu cotidiano”.

Ainda em Campo Formoso, a Cariam (Associação Cultural dos Pequenos Artesãos da Vila Encantada – ACPAVE) instituição fundada em 2002 que buscava resgatar jovens por meio da reciclagem e ao longo dos anos adotou o artesanato, ballet, danças, capoeira, a pintura e o reforço escolar como atividades regulares atendendo mais de 5 mil alunos, sendo em 2017, foram 150 crianças e jovens.

A instituição acredita que a arte pode mudar a cara da nossa sociedade, transformando os jovens em agentes formadores de opiniões. “A arte trazida pela Cariam à comunidade da Vila Encantada permite as crianças e jovens uma oportunidade de estar longe das ruas, oferece um ambiente de convívio com o social, intervindo diretamente na vida das crianças e jovens que passam a ver o mundo com outros olhos”, relata Aurivete Chaves, presidente da Cariam.

Apesar do amor pela arte, todas as instituições relataram que a maior dificuldade de manter as atividades oferecidas na comunidade de Simões Filho e Campo Formoso é a falta de suporte financeiro, seja para manutenção de um espaço adequado, para a construção e preservação da cultura local e inclusive para auxiliar os professores/ monitores que em sua grande maioria trabalham de forma voluntária.

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